Enquanto na Europa chegava ao fim a era dos cavaleiros, no Japão surge a civilização dos samurais, classe guerreia que tinha orgulho de descender de famílias de heróis, com nomes como Heike, Genji ou Ise.
Assim como os europeus exaltaram seus cavaleiros na Idade Média, os japoneses o fizeram na Canção de Rolando, no ciclo arturiano e no Cid.
O código de honra samurai, exigia deles virtudes de heroísmo, magnanimidade, lealdade até a morte ao senhor feudal, a defesa aos fracos e o menosprezo à covardia, avareza e traição – ideias derivadas das doutrinas do zen-budismo.
Toda a força obtida para enfrentar os desafios do mundo terreno, era proveniente de períodos de meditação diárias e intensas, que se torna também a mola propulsora da arte criativa.
Com a ascensão das peças Nô, era anunciada a era dourada do teatro japonês.

Em 1374, o xógum Yoshimitsu assistiu uma apresentação de Kwanami e seu filho de 11 anos de idade Zeami, ambos atores de sarugaku. Yoshimitsu gosto tanto do que viu que vinculou os dois atores à sua corte. Sob o fomento do xógum por 34 anos, Zeami estuda técnicas de diversas artes – entre elas dengaku e kuse-mai – se dedica e aperfeiçoa cada dia mais seu estilo próprio, se tornando um consumado ator, dramaturgo e diretor.
Com isso escreve texto e música para cerca de 100 peças nô que ele próprio protagoniza.
Depois da morte de Yoshimitsu e a perda de um filho, Zeami se retira da corte e passa a escrever sobre nô, que literalmente quer dizer “talento”. Foi responsável por escrever 3 grandes tratados muito importantes sobre o teatro nô e por eles fica conhecido como o Aristóteles do teatro japonês. Mas esses escritos foram feitos para serem passados apenas para sua família, uma transmissão secreta de arte, e não fica conhecido em seu tempo.
O significado do conteúdo do nô é a afirmação de uma beleza que culmina na aflição.
De acordo com Zeami, yûgen constitui a culminação da apreciação estética da peça Nô. “Yûgen, originalmente o conteúdo oculto da doutrina budista, é um poder secreto em que a beleza está envolvida como a semente da qual a flor (hana) há de florescer em seguida.” (MARGOT BERTHOLD, 2017, p.83)
Existem 5 categorias de peças que são apresentadas no programa de um espetáculo Nô:
1- trata dos deuses
2- trata das batalhas, (geralmente sobre algum samurai heróico)
3- conhecido como o grupo das “peças das perucas” ou “peça de mulheres” (o ator principal usa peruca e interpreta uma mulher)
4- mostra o destino de uma mulher com o coração partido, ou que tenha perdido um filho ou seu amante, o que a torna dramaticamente mais forte.
5- conta uma lenda, encerrando o programa.
Os atores
Há quatro categorias de atores no teatro Nô e Kyoguen: o shite (ator principal), o waki (ator secundário), o hayashi (músico), e o ator kyoguen.
O shite é o único ator que usa máscara, e desempenha vários papéis. Podem ser heróis, velhos barbados, mulheres: jovem noiva ou anciã atormentada. Por ser o principal, costuma atuar sempre no centro do palco, uma espécie de “monstro sagrado”.
O ator waki apoia o shite, e não usa máscara. Podem fazer o papel de sacerdotes, monges, ou um samurai, mas sempre são personagens reais, que vivem.
Já a orquestra de nô (hayashi) é formada de quatro instrumentos musicais: tamboril pequeno (kotsuzumi), de som grave, que contrasta com o tamboril grande (otsuzumi ou okawa), de som agudo e quase metálico, uma flauta de bambu (nôkan) e um tambor de baquetas (taiko). E o coro (jiutai) é composto normalmente por 8 homens que cantam, todos usam roupas escuras e sentam no chão no início da peça.

As máscaras
As máscaras do teatro Nô foram criadas no período Azuchi-Momoyama (1573 até 1603) e há registro de 60 tipos diferentes. Elas são vistas como a expressão literal de uma verdade superior e conferem ao ator uma forma de vida mais elevada.
As máscaras são esculpidas de tal forma que o real e o fantástico são engenhosamente combinados para produzir uma beleza sutil, são obras de arte de alta qualidade e simbolizam sua personagem na forma mais pura. Dependendo do movimento do ator e do ângulo que se dá à máscara, ela pode expressar feições diferentes no palco.

O Palco
O palco Nô tradicional é uma plataforma quadrada de cedro de mais ou menos 5,5m de largura com 3 lados abertos. Há quatro pilares de madeira, chamados de metsuke-bashira, importante referência visual para o ator se posicionar no palco. O fundo do palco é sempre o mesmo, chamado de Kagami-Ita, ou placa-espelho, onde é pintado um grande pinheiro como símbolo da vida eterna.
O Hashi-gakari, é uma ponte por onde os personagens entram e saem, e é também um importante espaço cênico. Ao fundo da ponte fica o Ague-maku, uma cortina colorida. Sem visão do público, o Kagami-no-Ma, ou sala do espelho é um espaço importante onde os artistas, já vestidos e prontos para entrar em cena, fazem sua última concentração.
Três degraus levam ao palco, que tem altura de mais ou menos 90cm do solo; geralmente se encontra no pátio de um templo.

A arte nô exige extrema concentração. Por muitas horas o ator tem que conduzir a si mesmo de forma que seus gestos e movimentos não contradigam sua máscara. Todos os seus passos são milimétricamente ensaiado, cada passo que ele dá para cada lado tem sua prescrita medida.
Por sua força criativa, e intimidade com os traços fundamentais da cultura e caráter japonês, as peças nô sobreviveram intactas desde o século XIV.
Bibliografia:
Vida de Tsuge: <https://vidadetsuge.com.br/teatro-noh/>
JojoScope: <http://jojoscope.net/2015/06/27/teatro-no-o-palco-os-atores-as-mascaras/>
História Mundial do Teatro:
Texto por: Gabrielle Risso (mas pode me chamar de Gabi)
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