Hoje, falaremos sobre um dos pontos principais de discussão do livro “A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator”: a expressividade. Escrito por Renato Ferracini a partir de estudos e experimentações de Luís Otávio Burnier, mestre-professor do curso de artes cênicas da UNICAMP e do grupo LUME, o livro é um convite à reflexão e a um entendimento específico do fazer teatral. Vem com a gente!
Para quem não conhece, o LUME e seu ‘núcleo interdisciplinar de pesquisas teatrais’ é um grupo que, desde sua formação, busca uma linha de pesquisa de técnicas não interpretativas de representação para o ator, produzindo conhecimentos interdisciplinares e transculturais no meio das artes performáticas. Ficou confuso? Calma que a gente te explica.

A grande briga dos cabeções do teatro sobre a diferença interpretar x representar é datada de desde o século XIX. Stanislavski, Meyerhold, Grotowski e outros grandes nomes buscavam suas próprias definições, caminhos e técnicas para tentar desvendar o mesmo grande desafio do teatro: como levar verdadeiramente a vida para o palco. Quando o LUME, já no século XX e XXI, desenvolve a pesquisa de técnicas não interpretativas, eles estão buscando caminhos de uma arte teatral não imitativa, ou seja, que não simplesmente copia a vida e a mostra nos palcos, mas sim uma arte de ator-criador que estuda e aprofunda seu ofício para estar em cena o tempo todo doando-se para o público, ou seja, vivendo. E para chegar nisso, eles utilizam de técnicas e estudos de diversas áreas: teatro, música, trabalho com objetos, mimesis, dança corporal e o clown.
O caminho para chegar a esse refinamento da poesia corpórea do grupo começa na pré-expressividade, onde o ator se trabalha. É aqui que está o alicerce do ator, onde ele vai buscar desenvolver sua presença cênica através do estudo de técnicas corporais e vocais, ou seja, quando o ator se preocupa com o ‘COMO’ do seu trabalho. Nesse momento é que se definem as técnicas pessoais de representação corporal e vocal, onde cada um vai buscar aquilo que melhor funciona para o desenvolvimento do seu fazer artístico. Lembrando que os caminhos são múltiplos, apesar de quase sempre se entrecruzarem em alguns pontos específicos.
Próximo passo é entender que a poesia corpórea está intrinsicamente conectada ao conceito de ação física. Grotowski define ação física como “o ato que nasce do interior do ator, da coluna vertebral e habita todo o resto do corpo”. Etienne Decroux reforça essa ideia ao afirmar que “se a ação tem emoção verdadeira, o movimento nasce de dentro do tronco, e depois ecoa para os braços e as pernas”.

Segundo o LUME, toda ação física contém os seguintes elementos:
INTEÇÃO: sendo aquilo que nasce na musculatura, a “vontade de agir sem ação”, ou o famoso “estado em alerta”. Um exemplo muito interessante presente no livro é o exercício de “se preparar para pular”, onde os atores preparam a intenção de pular, mas não consumam de fato o movimento. Grotowski afirma que a intenção “é algo que passa a um nível muscular no corpo e que está conectado a algum objetivo fora de si”. Portanto, são necessárias duas forças de oposição na intenção: ‘a vontade de’ x a inação.
ÉLAN: ou como muitos outros pesquisadores chamam, a energia vital. Para explicar energia vital e todas as suas características, é necessário analisar muitas linhas de pesquisa e definições, algo que ficará para um próximo post aqui do TEE. Por enquanto, ficaremos com a ideia seguinte: a energia vital é aquilo que nos move enquanto seres humanos. Profundo né?
IMPULSO: é aquilo que vai gerar uma ação física orgânica e verdadeira, é a ideia de empurrar ou arremessar com força, de dentro. Grotowski afirma que “é o que precede imediatamente as ações. Ou seja, é a ação física invisível ao externo, mas já nascida no corpo”. Importante lembrar que Grot (íntimos) buscou sua vida toda um processo de eliminação do lapso de tempo entre impulso interior e ação externa.
Eugênio Barba, chama o impulso de sats, afirmando que é o momento em que “o organismo todo reage, mesmo na imobilidade; onde o corpo pensa e executa a ação dentro de si”. Decroux vai chamar de espasme e Meyerhol de predigra, mas todos estão falando sobre a mesma coisa.
E por último, mas não menos importante, o próprio MOVIMENTO: o acontecimento da ação no espaço. São diversas as linhas de estudo de movimento, tanto no teatro como na dança, mas uma das principais estudadas aqui no Brasil é a pesquisa de Rudolf Van Laban, que classificou o movimento em: tempo (rápido ou lento), espaço (direto ou indireto), força (leve ou pesada) e fluência (livre ou controlada); nomeando as diferentes combinações possíveis dessas classificações.
Portanto, nós entendemos que a busca para uma expressividade orgânica e viva não é somente o que acontece nos palcos, mas sim a congruência entre a preparação e estudos essenciais do ator com a doação de si e da verdade cênica trocadas com o público no exercício da teatralidade. O TEE recomenda muito a leitura do livro do Ferracini, pois lá você encontrará muitas outras informações e outros pontos dos estudos do LUME.
Ficou interessado ou com alguma dúvida? Escreve pra gente as suas impressões do texto e os paralelos que fez com o seu estudo pessoal, nós adoramos trocar e dividir com vocês! Não esquece de seguir a gente em todas as nossas redes sociais, e até o próximo texto. Evoé !
REFERÊNCIAS:
“A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator” – Renato Ferracini, 2001
“Em busca de um teatro pobre” – Jerzy Grotowski, 1968
“Words on Mime” – Etienne Decroux, 1963
Autor: John Marques