No nosso quadro de entrevistas de hoje, conversamos com o ator e diretor Marco Antônio Pâmio, que conversou com a gente sobre seus trabalhos mais recentes, incluindo a peça Jardim de Inverno, que está em cartaz no Teatro FAAP até o final de agosto. Vem com a gente!
TeE: Você estudou no CPT e no Drama Studio London, na Inglaterra; é um ator e diretor que já trabalhou com diversos textos de autores nacionais e internacionais. Como foi o inicio da sua relação com o teatro?
PÂMIO: A minha relação com o teatro começa quando eu era menino e brincava de fazer teatro no quintal da minha casa. Sempre fui apaixonado pela interpretação, e quando eu entrei para estudar inglês na Cultural Inglesa, fiz parte do grupo de teatro amador deles, e ali eu comecei a entender um pouco mais sobre o que era aquele universo. Fiquei sabendo que o Antunes Filho iria fundar o CPT, após ele ter feito duas grandes montagens com o grupo Macunaíma, que na época ninguém sabia direito o que viria a se tornar. Muita gente se interessou, já que ele ia montar Romeu e Julieta (Shakespeare) e A Pedra do Reino (Ariano Suassuna) de forma inédita, e por insistência do meu professor do curso de inglês, fiz os testes sem muita certeza se entraria ou não, até porque eu fazia já faculdade de outra coisa, e não sabia se o teatro poderia se tornar algo além de uma atividade de final de semana para mim.
Acontece que eu entrei para o núcleo de atores principais do CPT, e quando o Antunes escalou os atores para os elencos das montagens, eu fui escolhido para interpretar Romeu. Eu quase caí de costas, e o Antunes me disse que eu teria que desistir de todas as outras coisas que eu fazia para me dedicar àquela oportunidade. Eu encarei, desisti da faculdade no último ano, saí do teatro amador e desde então eu não sai mais do teatro. O CPT foi a minha base, a minha escola, minha formação. O Antunes foi meu grande mestre e mentor, a pessoa que me abriu as portas do meu espiritual e intelectual para o teatro, ao mesmo tempo que me trazia o grande desafio de fazer a peça que seria inaugural do CPT. Essa foi a minha porta de entrada, a minha passagem de uma criança interessada por teatro, para um adolescente que fazia teatro aos finais de semana, e depois um ator profissional. Desde então, escolho todos os dias viver com isso para o resto da vida.

TeE: E você vê muito do Antunes na sua direção, ou você segue um caminho que busca ser o mais independente possível do olhar dele?
PÂMIO: Todo diretor, com o tempo, acaba criando a sua própria assinatura. Aquilo que eu aprendi como diretor foi de observar o Antunes dirigindo. Ele tem muita influência no que eu faço, esteticamente e metodologicamente, pois eu analisava com muita cautela os caminhos que ele seguia, sem nem imaginar que um dia eu me tornaria diretor. Eu queria e estava me preparando para ser ator, mas quando eu não estava em cena ou fazendo funções extras (pois nós sempre trabalhávamos em grupo, participando de todas as etapas do processo criativo), eu sentava e assistia ele ensaiar outras pessoas. Muito do que eu sei hoje, vem dessa curiosidade que tinha em perceber como ele abordava os atores, marcava e se aprofundava nas cenas.
Plasticamente, a encenação dele sempre me chamou muito a atenção. Ele tinha uma essência que era muito baseada na simplicidade, algo que era sempre muito bem pontuado, aprendi que o simples às vezes é o caminho para algo muito mais profundo do que ter muita coisa em cena.
Então eu também fui fazendo um curso de direção, sem nem me dar conta de que um dia eu chegaria a dirigir.
TeE: Sobre a peça Jardim de Inverno: é uma obra da década de 60 que fala de uma família de classe média, e levanta questões como a liberdade, os padrões de vida impostos pela sociedade e a sensação de sufocamento na vida familiar.
A peça esteve em cartaz (antes da pandemia) e agora volta aos palcos do teatro FAAP. O que mudou nesse tempo de pausa? O que podemos fazer de relação de uma história do século passado com os dias atuais?
PÂMIO: Tivemos a troca da atriz protagonista, que agora quem faz a April é a Bianca Bin. Ela foi uma sugestão minha, pois achava que ela tinha muito a ver espiritualmente com a época e com a personagem. Sabia da pouca experiência dela no teatro, mas ela tem uma grande intuição de atriz, uma ótima compreensão do personagem, que fez com que nas 5 semanas que tivemos para reerguer um espetáculo adormecido há dois anos e meio tivesse tranquilidade e muito profissionalismo. Ela veio sempre muito bem preparada para os ensaios, com muito estudo e dedicação.
O espetáculo é basicamente o mesmo, mas encontrou um palco mais interessante para habitar. Esse palco é muito mais intimista, mais perto fisicamente da plateia, e fez com que ele ganhasse em potência, em dramaticidade. A encenação é a mesma, mas talvez a coisa mais importante, seja o fato de que esses dois anos e meio apuraram o espetáculo, como uma garrafa de vinho. Quando os atores voltaram, o trabalho estava mais maduro, mais verticalizado e aprofundado, o processo de reensaiar o espetáculo foi como tirar um vinho de uma adega. Sinto que hoje ele ganhou como se estivesse rodando na estrada esse tempo todo. Engraçado o teatro promover essa impressão de movimento em algo que ficou parado por um longo período.
A força da peça vai além de uma questão específica de tempo ou lugar, que é a condição de toda pessoa que se relaciona com outra abrindo mão de sua própria vida. Mesmo se passando em uma cidade suburbana dos EUA nos anos 50, vemos ainda hoje tantas relações apoiadas nessa dinâmica de uma pessoa se anular em prol da outra, anulando a própria vida. A peça, logicamente, coloca essa situação com foco na mulher da sociedade daquela época, mas que é uma geração que ainda faz parte da nossa sociedade, seja na vida de quem viveu próximo à década de 50, seja nos valores e padrões comportamentais identificados em vários discursos e atitudes ainda presentes hoje em dia.
Quando a personagem se percebe insatisfeita com a condição de mulher recatada e do lar imposta à ela, questiona e tenta fazer algo pra mudar. É onde a dramaturgia ganha uma universalidade que rompe fronteiras do seu tempo e do seu espaço: quantas pessoas não estão insatisfeitas com a vida que têm na nossa sociedade capitalista contemporânea? Com seu trabalho? Com seu dia-a-dia? Pessoas que não querem viver para simplesmente cumprir um papel social, ser apenas um personagem para os outros assistirem.
Só que para sair disso, furar essa bolha, paga-se um preço. A liberdade e a independência têm o seu preço, e o espetáculo fala justamente sobre isso: sobre esse “conforto” que é viver dentro de um sistema social, econômico e espiritual, sem perspectiva de mudança, com a conformidade de uma vida já pré definida em seu começo, meio e fim.

TeE: Existe algum autor ou obra que ainda não trabalhou e que deseja deseja levar aos palcos?
PÂMIO: Eu já naveguei bastante pelos autores contemporâneos, já fiz bastante Shakespeare e amo fazer clássicos. Mas dois autores realistas de virada de século que eu tenho muita vontade de mergulhar são o Anton Tchekhov e o Henrik Ibsen. Amo a obra desses dois dramaturgos, principalmente Hedda Glaber do Ibsen e Tio Vânia do Tchekhov. Em algum momento, eu gostaria de por a mão nessas dramaturgias, são autores fantásticos e um lugar no momento histórico teatral que eu não explorei tanto quanto gostaria.
SERVIÇO JARDIM DE INVERNO
Dias e horários: Quinta, Sexta e Sábado, às 20h, e domingos, às 18h.
Ingressos:
Quintas (dias 21, 28/07 e 04/08/2022): R$ 50 (inteira) e R$ 25 (Meia-entrada)
Sextas, sábados e domingos: R$ 80 (inteira); R$ 40 (meia-entrada) / Ingresso Promocional: R$ 50 (inteira) e R$ 25,00 (meia-entrada).
Duração: 120 minutos
Classificação: 14 anos
Teatro FAAP: Rua Alagoas, 903, Higienópolis, São Paulo – SP.
Teatro Em Escala: John Marques e Gabrielle Risso.