Nossos próximos entrevistados do blog são Mariana Arruda e Leonardo Rocha, integrantes do grupo Maria Cutia! Batemos um papo sobre a trajetória de 14 anos do grupo, e sobre seu mais recente espetáculo ‘O Auto da Compadecida’, que eles fizeram temporada presencial e apresentação online, e vocês já pode conferir a seguir:

TeE: CONTA UM POUCO DA HISTÓRIA DE VOCÊS, JÁ SE CONHECIAM ANTES DE COMEÇAR A CIA?
MARIANA: No começo, eu e Leonardo éramos namorados e hoje estamos casados. Começamos em 2006 como um grupo de brincantes, usando brincadeiras da cultura popular do norte de minas, que depois foi se ampliando. Começamos sem muita pretensão de ser um grupo teatral, fazendo mais teatro de rua. Surgimos com o espetáculo “Na Roda“, o qual a gente faz até hoje e que, com o passar dos anos, foi se tornando mais teatral, utilizando-se de mais recursos da linguagem do teatro. Em paralelo, eu fazia escola de teatro e o Leonardo estudava no teatro da UFMG. As experiências foram se somando, a gente sempre trabalhou muito com máscaras expressivas, com a linguagem da palhaçaria, com a música…
LEONARDO: A gente nasce com a ideia de fazer um teatro popular, não no sentido pejorativo da palavra de ser raso, superficial, mas popular no sentido de ser pra todo mundo. A gente nasce na rua, e apesar de termos feito muita coisa no palco, nossa essência está na rua. E com isso a gente abraça todas essas linguagens que, para além de uma questão x do tema, há a necessidade de ter que se comunicar com o público, que pode ser o mais heterogêneo possível. Tem muito a discussão se é teatro de rua ou teatro na rua, e acredito que nós fazemos teatro para a rua. Independente se o espetáculo é sonorizado ou não, e por conta do trabalho com música, a gente precisa ter uma qualidade técnica melhor, o que às vezes as pessoas questionam.
TeE: MUITO IMPORTANTE ESSA RELAÇÃO COM O PÚBLICO. ÀS VEZES AQUI EM SÃO PAULO, TEMOS A IMPRESSÃO DE QUE A GENTE FAZ TEATRO PRA NÓS MESMOS QUE SOMOS DO TEATRO. VOCÊS PERCEBEM ESSA QUESTÃO EM ALGUNS LUGARES QUE VOCÊS APRESENTAM?
LEO: Sim, aqui em BH também é assim. Acredito que é uma questão quase que natural, pensando no tempo que a gente viveu de 20 anos pra cá, onde teve uma espécie de profissionalização contínua do teatro. Mesmo que tenha se perdido um pouco, isso fez com que os espetáculos fossem pensados de uma forma mais técnica, “desprezando” um pouco o público popular, o público que não é técnico com referencial de pesquisa. E acho que o fato de o público comum estar distante do teatro, com salas cada vez menores, tem a ver com a gente ter desprezado esse público e ter olhado pra linguagens e códigos que são muitas vezes só entendidos por quem faz ou estuda teatro. As vezes o público vai e se sente distante, não se identifica.
Antes, as pessoas iam ao teatro como também entretenimento. Com o passar do tempo, isso deixou um pouco de acontecer com as massas. Não no sentido raso, mas pra ter uma experiência estética, pra se informar e se entreter. Perdeu esse caráter das pessoas irem ao teatro para ter uma catarse coletiva, de ser um lugar de discussão mas também para se divertir. Boa parte das produções hoje se restringem a quem faz ou estuda.
MARI: E um dos princípios que a gente tem é justamente a busca de uma experiência teatral que englobe todo mundo. Já fiz curso de palhaço com pessoas que nunca tinham visto palhaços, que não iam ao circo ou ao teatro. Acreditamos que é preciso agregar cada vez mais pessoas ao teatro, de todos os tipos e lugares.
Já fizemos trabalhos que a gente subia em comunidades com os equipamentos, apresentávamos na porta da casa das pessoas, e ai no meio do espetáculo, abriam o portão com uma água gelada. Então é uma mistura, essa é a nossa ideia, estar junto com as pessoas na história. Já apresentamos também uma vez em um distrito rural do Vale do Jequitinhonha, onde um dos personagens era o capeta. E aí o ator que fazia, encostou em um senhor que empurrou ele. Depois o senhor veio falar com a gente, dizendo “vocês me desculpem, mas eu não ia deixar o capeta encostar em mim”. Então é o pacto do teatro com o público o que é essencial, esse cruzamento da realidade das pessoas com a arte.
A rua tem essa ideia da proximidade, e a gente sempre tenta ir até o público de alguma forma. Isso faz com a pessoa fique literalmente dentro da arte do encontro, que isso é o teatro vivo.

LEO: Acho que a tendência daqui pra frente é a gente buscar e rever a forma com que o teatro está sendo feito, buscando esse público, sem menosprezar a inteligência dele nem a nossa. No sentido de levar uma obra que seja linda, inteligente, mas que comunique, que não seja bonito só pra mim. Falta levar o público junto, realizar esse pacto do teatro.
TeE: E VOCÊS SÃO DE MG, JÁ APRESENTARAM AQUI EM SÃO PAULO E EM VÁRIAS CIDADES TANTO DO BRASIL, QUANTO DE FORA. VOCÊS PERCEBERAM DIFERENÇA NA RECEPÇÃO E NA TROCA COM O PÚBLICO DE CADA REGIÃO?
MARI: Sempre. Por exemplo, Porto Velho – RO é onde tem o público mais carinhoso com o teatro, é impressionante e muito linda a relação com que eles têm com o pacto das histórias. O público do interior de MG é mais tímido, as vezes ficam vendo de longe, não sei se por medo da gente pegar pra fazer alguma brincadeira.
Temos 14 anos de estrada e já passamos por mais de 170 cidades, e onde a gente menos foi em São Paulo, que ficamos recentemente com a temporada do Auto da Compadecida no Sesc Pompeia, mas não é uma cidade que nos apresentamos muito; e nunca apresentamos no Rio. Então temos uma história curiosa, porque a gente não tem muito a projeção RJ-SP.
Um amigo uma vez comentou que, fazendo temporada no norte do Brasil, muita gente conhecia o Maria Cutia, dizendo que a gente levou o teatro mineiro com afeto pra esses lugares. Então eu acho uma alegria, porque um país tão grande e diverso como o nosso, ter o teatro resumido a RJ-SP não é justo, até porque o teatro não uma arte midiática que fica restrita aos grandes meios de comunicação da TV e da rádio. O teatro não é a escada pra novela né, mas sim é a arte do encontro, e eu quero ir ao encontro de todo mundo. Queremos também estar nas capitais, em Nova Iorque e Paris, mas também queremos estar nas comunidades ribeirinhas. A gente coleciona as experiências que tem em cada lugar, que com toda certeza é diferente e única.
TeE: E AGORA COM A PANDEMIA, A RELAÇÃO E A EXPERIÊNCIA COM O PÚBLICO MUDOU BRUSCAMENTE. VOCÊS FIZERAM O AUTO DA COMPADECIDA ONLINE, COMO QUE FOI ESSA ADAPTAÇÃO E COMO QUE FOI A RESPOSTA DO PÚBLICO?
MARI: O espetáculo original tem 7 atores tocando música ao vivo. Começamos primeiro a adaptar o texto, e depois adequar para a câmera. O Sesc mandou um cinegrafista e um técnico para ajustar a questão técnica, usando um equipamento com qualidade de transmissão. O Hugo da Silva, que é o nosso diretor musical, gravou todas as trilhas em estúdio, e nós cantamos em cima das gravações aqui em casa.

LEO: A adaptação dramatúrgica foi pra uma ideia de contar a história de forma narrativa mesmo, já que estávamos só nós dois aqui. Usamos elementos do espetáculo original nas cenas, tentamos brincar com as falas dos personagens. O espetáculo tem 1H20, e o projeto do Sesc tinha que ter no máximo 45 minutos. Então fizemos um recorte que achamos que seria interessante, brincando e fazendo referências com os outros personagens.
O espetáculo é muito simbolista, e o Gabriel Villela (diretor do espetáculo) também é um grande simbolista, então utilizamos de imagens que buscavam comunicar com a gente e com quem estava assistindo. Então as mudanças de luz, máscaras, movimentação e elementos usados evitariam que o espetáculo ficasse chapado. Não pode ser só teatro gravado, precisa ter um estalo em quem faz de que tem alguém assistindo, então a gente tem que evitar ficar chato.
MARI: Ainda mais esse espetáculo que é um texto super crítico, mas que é uma comédia. É uma montagem carnavalesca, e as pessoas nos mandaram vídeos dançando depois, super felizes. Tivemos uma resposta muito bacana de quem assistiu. E eu acho que se o Auto da Compadecida tivesse sido escrito hoje, as pessoas não iriam gostar. Porque é um texto muito crítico, que ataca a igreja, mas ele tem um lugar de carinho muito grande das pessoas, muito por conta do filme de 2000. Então as pessoas assistem com muito afeto essa montagem, e isso aconteceu também online.
TeE: E VOCÊS TÊM VONTADE DE FAZER UMA OUTRA ADAPTAÇÃO PRO ONLINE OU DE CRIAR UMA DRAMATURGIA NOVA PRA ESSE FORMATO?
MARI: Eu tenho um show cênico cantando Chico Buarque, que eu fiz online e está no nosso IGTV. E a gente tem um espetáculo chamado ‘Ópera de Sabão’ que se passa numa rádio. É um melodrama que ficamos com muita vontade de fazer, porque tem a história da radionovela, e a história dos ‘rádio atores’ em paralelo. Seria interessante fazer talvez mais episódios ou uma adaptação online.

LEO: É legal pensar nesse momento nesses outros formatos. Acredito que depois que passar a pandemia, isso vai virar um novo canal de viabilização. Não vai substituir o teatro presencial, mas provavelmente vai virar uma ferramenta a mais, porque tem suas vantagens. Na apresentação do Auto, tivemos mil e tantas pessoas acessando simultaneamente, e depois mais de 4 mil acessos de gente de Paris, México, Macapá, norte de MG, nossos vizinhos…
MARI: Nós temos também os cursos de formação de palhaços, e abrimos um curso 100% online, que antes eu achava que não era possível, mas que está acontecendo da melhor forma. Mudou-se a relação com o computador né, então estamos fazendo experimentos muito interessantes nesse formato. A interação com as pessoas mudou, e estamos procurando caminhos de fazer os cursos de inicialização ou de aprofundamento com essa procura nova.

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