O TeE entrevista de hoje é com o ator Daniel Satti, que está na peça O Homem Mais Inteligente da História, que esteve entre 12/02 e 12/03 aqui em São Paulo, e agora o espetáculo está em temporada em várias cidades do Brasil, como Caxias do Sul/RS, Campo Grande/MS, Osasco/SP, entre outros. Enquanto acompanhamos a temporada em várias cidades, você já pode ler a entrevista a seguir!
TeE: DANIEL, CONTA UM POUCO SOBRE O COMEÇO DA SUA VIDA NO TEATRO, O QUE TE LEVOU A SER ATOR?
DANIEL: Eu já tenho quase 22 anos de carreira, contando desde que estava com meu DRT em mãos no ano de 2000, apesar de já estudar teatro bem antes. Eu sou paulistano, mas devido ao trabalho dos meus pais, morei em Tokyo no Japão por um ano e meio, e quando voltamos fomos direto para Belo Horizonte. E uma coisa muito engraçada, é que eu sempre ouvi vozes na minha cabeça me dizendo “vá fazer teatro”. Não sei de onde elas vinham, mas elas sempre estavam lá (risos).
Desde criança eu adorava novelas, em especial uma chamada Gerônimo no SBT e eu imitava os personagens, criava os figurinos e contava as histórias da novela pros meus vizinhos e familiares. E em BH, tinha um programa de calouros chamado “Clubinho da Tia Dulce”, no qual eu pedi pra minha mãe me levar lá pra dançar Menudos, que eu era muito fã na época. Nessa, eu criei os figurinos, fiz coreografia e chamei meus irmãos e vizinhos pra fazer meu coro. Enfim, todas essas recordações me dizem que a minha trajetória sempre foi ligada à algum tipo de dramaturgia, à algum tipo de encenação. Então tudo isso me levou a ser ator.

Não tive o apoio familiar na época, não por maldade, mas por desconhecimento de que artistas podem ganhar dinheiro, se sustentar, construir carreiras. Nos anos 70, o artista era visto como vagabundo, como um ser que não estava inserido na sociedade, mas sim vivendo às suas margens. Um dia, um dos meus amigos me chamou pra fazer aula de teatro com ele, e eu simplesmente agarrei a oportunidade. Nesse convite, eu me senti seguro e descobri a coragem que me faltava pra entrar no teatro; e desde que eu pisei no palco, eu descobri que nunca mais queria sair daquele lugar. Larguei o curso de engenharia no último ano, para o desespero de minha família, fiz o curso superior de comunicação social e fui fazendo teatro. Quando me formei, me mudei pro Rio de Janeiro para trabalhar como ator, e estou nos palcos desde então.
TeE: A PEÇA “O HOMEM MAIS INTELIGENTE DA HISTÓRIA” É BASEADA NO LIVRO HOMÔNIMO DE AUGUSTO CURY, E FALA SOBRE UM ATEU ESTUDANDO A MENTE E INTELIGÊNCIA DE JESUS CRISTO. COMO FOI O PROCESSO DE PREPARAÇÃO PARA DAR VIDA A ESSE PERSONAGEM ? QUAL A MAIOR DIFICULDADE DE CONSTRUIR E LEVAR ESSA HISTÓRIA PARA O PALCO TEATRAL?
DANIEL: Esse espetáculo caiu no meu colo. A nossa diretora Cristiane Natale me chamou pelo facebook para dar vida ao personagem Marco Polo, sabendo que teria 17 dias antes da estreia pra ensaiar esse espetáculo, pois eu recebi o convite no final de dezembro pra estrear em janeiro. Eu fiquei desesperado. Entrei em um processo de mergulho tão intenso, enlouquecedor, até que eu e outras pessoas do elenco testamos positivo pra COVID. E por conta disso, e naturalmente por outros ocorridos, conseguimos mais 20 dias para ensaiar e preparar um espetáculo de 1h30 com um grande volume de texto. Foi um grande desafio, uma enorme montanha russa emocional, mas as coisas foram acontecendo e graças a Deus deu tudo certo e tivemos uma estreia linda.
Foi tudo muito corrido e violento, mas ao mesmo tempo muito profundo. Depois que passou, eu entendi que foi uma provação que eu passei na minha carreira, e hoje entendo que foi muito necessário para a continuidade da minha caminhada enquanto ator.
O personagem Marco Polo é um neurocientista ateu, que se recusa a estudar a mente de Jesus por preconceito, mas a medida que ele vai pesquisando, juntando ideias de teólogos e cientistas, e se deparando com coisas que nem imaginava, ele começa a ceder. No texto, juntam-se a ciência e a religião, onde cada uma tem o seu espaço: onde uma fala, a outra se cala; pois tem muitas coisas e situações que não conseguem ser analisadas de perspectivas exatas e concretas, portanto os sentidos e o seus significados dependerão exclusivamente da fé. O texto traz varias questões que são importantes de se colocarem em debates, e eu acredito muito que nós, enquanto sociedade, só avançaremos ao passo que houverem pensadores, não simples repetidores de informação como cria-se em muitas metodologias clássicas de ensino, exatamente o ponto em que o espetáculo chega.
TeE: ESTUDAR E TRABALHAR SOBRE O CONCEITO DE QUE JESUS FOI O MAIOR “ESPECIALISTA NO CAMPO DA EMOÇÃO” MUDOU A FORMA COMO VOCÊ ENCARA A PROFISSÃO DE ATOR? TENDO EM VISTA QUE ARTAUD DISSE QUE “O ATOR É O ATLETA DA EMOÇÃO”, ESSE TEXTO TE AJUDOU A ENTENDER MELHOR NA PRÁTICA O CONCEITO DE SE TRABALHAR COM EMOÇÕES?
DANIEL: Com certeza esse trabalho muito me afetou intimamente, pois estudando o texto, eu estava vivendo em um processo de desespero e auto crítica muito grandes: eu duvidava se iria conseguir dar conta desse trabalho no tempo previsto e eu não estava sabendo gerir minhas emoções. Então todo desespero, ansiedade e medo que sentia, descobria no texto algo que me dizia “Daniel, acalme-se e confie“. À medida que fui entendendo o texto, ele foi me mostrando o quão grande é a necessidade de se conhecer e conseguir gerenciar os sentimentos mais fortes que surgem, sem deixar que eles tomem conta da gente.
Eu precisei aprender a ter clareza e discernimento das coisas dentro de um furacão. E isso falta na humanidade como um todo: saber que o que mais interessa não são os fatos, mas sim como nós escolhemos lidar com eles. A vida acontece, as coisas quebram, os imprevistos aparecem e se nós apenas nos desesperarmos, perdendo o controle de nós mesmos (que é o que muita gente faz), as emoções tomam conta do nosso corpo e ficamos a mercê delas.
E é esse o trabalho do ator. Essa frase do Artaud é certeira, porque o nosso ofício é muito denso e exige de nós controle e uma habilidade muito grande de acessar e desligar emoções, e esse texto me ajudou muito a por em prática esse conceito à medida que eu fui ensaiando. Hoje eu tenho um novo olhar, uma nova mentalidade em relação ao meu trabalho.
Estamos aqui para desafiar a nós mesmos, desafiar o nosso próprio ego e nossas próprias emoções, para que passemos por elas conseguindo crescer e nos desenvolver enquanto seres humanos evoluídos. Tudo que está a nossa volta (casamento, filhos, formação, etc.) são meios para nos levar ao nosso interior e nos fazer evoluir. Só estamos na terra para isso.

Acompanhe a temporada da peça através do instagram @ohomemmaisinteligente
E o Daniel Satti através do @danielsatti
Evoé!