O TeE Entrevista de hoje é com o ator Norival Rizzo, que atualmente está com a peça Bata antes de entrar, em cartaz no Espaço LAB – Teatro Aliança Francesa até domingo dia 28 de agosto, e conversou com a gente sobre o processo e ao debate que esse texto provoca. Vem com a gente!
TeE – Conta pra gente o que te levou ao teatro, o que te despertou a vontade de ser ator.
Norival: Minha vontade de fazer teatro começou quando eu tinha meus 8 ou 9 anos vendo televisão. Acredito que pra muita gente, a televisão foi o primeiro contato com as artes da cena e o que despertou a vontade de atuar, principalmente na minha geração. Eu venho da periferia, da Vila Formosa, zona leste de São Paulo, um lugar onde não havia uma cultura teatral no sentido de consumir e produzir teatro, então a televisão e o cinema despertaram meu encantamento pela área. Eu comecei fazendo teatro na escola, no que hoje se entende por ensino fundamental. Depois do colegial, eu fiz faculdade de filosofia e sociologia, mas parei no meio porque eu percebi que não era muito a minha área. Então eu fui fazer escolas de teatro, e dentro da escola, um dos professores me incentivou a tentar entrar na EAD (Escola de Arte Dramática da USP) e eu entrei. Me formei em 1978, e não parei de trabalhar com o teatro desde então. Estou já 44 anos na estrada enquanto ator.
TeE – Bata antes de entrar, retrata uma família que hoje é um tanto comum de encontrar, os pais separados. Trabalhar as questões da família no teatro é geralmente um tema de fácil aproximação do público, ou você percebe uma resistência nas pessoas em querer “dar o braço a torcer”?
Norival: O legal de trabalhar com uma peça que tem o tema “família” é que quem assiste não vai se identificar com tudo que acontece em cena, afinal não é a história exata da família de ninguém do público. Mas em algum momento, seja ele mais sutil ou não, as pessoas vão acabar se identificando. Esse texto, escrito pela Paola Prestes, é muito abrangente a ponto de que um casal, mesmo não estando separado, pode acabar fazendo paralelos entre as relações que estão sendo observadas em cena.
Por exemplo, em determinado momento, meu personagem e o da Clara Carvalho têm uma discussão sobre o passado entre eles, que é um fato recorrente na vida de muitos casais, separados ou não. Por mais que o espectador não queira se identificar ou não se identifique com o todo, em algum momento acontece. E o mais interessante, a peça mostra as consequências das escolhas passadas desses personagens, então quem assiste entende que aquele pode ser seu futuro caso não mude seu presente, e esse movimento catártico é um dos mais interessantes que o teatro proporciona.

TeE – Personagens que levam o suas verdades absolutas ao extremo são mais desafiadoras de trabalhar os conflitos internos e externos em cena? O que esse padrão comportamental revela sobre a sociedade que vivemos atualmente ?
Norival: O conflito entre um casal é algo atemporal, independe da época, pois a relação humana é muito conflituosa independente de qual seja. Agora, o que muda são as formas de encaminhar essas discussões. Na peça, nós temos conflito entre duas gerações: uma mais velha, representada por mim e pela Clara; e uma mais nova, que são os filhos do casal, representados por Karen Coelho e Victor Hugo Sorrentino; e é muito interessante perceber como cada geração escolhe lidar com as diferenças.
A peça revela esses dois tipos de padrões comportamentais, onde um leva sua verdade ao extremo e o outro tenta ouvir e dialogar. A forma como as pessoas tentam se encaixar nas discussões, argumentar e defender seus pontos de vista é algo que está sendo muito discutido e repensado no momento atual que estamos vivendo, e a peça traz uma reflexão sobre isso: se mesmo com todo o conflito, é possível caminharmos juntos ou não.
Toda vez que você acessa um texto novo, ele revela um ponto de vista diferente sobre o mundo e sobre você mesmo. Trabalhar os conflitos internos é sempre um processo de descoberta nova sobre o meu eu ator e a minha relação com aquelas questões. Precisa ser desafiador, porque nós atores precisamos estar muito atentos o tempo todo – atentos ao outro, às relações e a si próprio.

TeE – A peça também aborda muitas questões do universo feminino, com pautas sobre o feminismo, a busca pela liberdade. Pra você como homem e ator mais experiente, você acha que o universo masculino dialoga com mais facilidade com essas questões hoje em dia, ou ainda há um longo caminho que precisamos desconstruir enquanto sociedade ?
Norival: É difícil dizer, porque esse caminho que estamos seguindo agora, de dar voz e respeitar as pautas do universo feminino, pode estar muito mais claro para nós que fazemos teatro ou que trabalhamos com cultura. Mas para a grande maioria das pessoas, ainda há um caminho muito longo a se seguir sobre tudo que falamos agora: sobre gênero, feminismo, preconceito e tantas outras batalhas que precisamos vencer. Estamos mais abertos para isso porque nosso trabalho nos exige estar, mas a população em seu todo ainda não tem o mesmo entendimento. Independente do quão esclarecido você enquanto artista seja sobre determinado assunto de cunho sociopolítico, é necessário se esforçar para levar o debate a diante para quem não é. As discussões precisam abranger cada vez mais pessoas, nosso universo é muito pequeno diante do que está acontecendo aí fora.
No teatro, entre nós atores, é lindo falar sobre feminismo porque todo mundo entende e concorda. Agora, vai no mercado, no transporte público lotado as 18h, ou em lugares públicos com grande concentração de pessoas que você vai perceber a necessidade de ampliar a discussão e o entendimento. Quando a gente não precisar mais falar ou tocar nesses assuntos, é porque chegamos em um consenso enquanto sociedade. Mas até lá, tem muito chão ainda.
SERVIÇO
Espaço LAB – Teatro Aliança Francesa
Rua General Jardim 182 – Vila Buarque. Informações: (11) 3572-2379
Estreou em 30 de junho de 2022.
Temporada: Quinta a sábado, às 20h30; e domingos, às 18h30. Até 28 de agosto.
Preço: R$ 50 (Inteira) e R$ 25 (Meia).
Compra Online: Pelo Sympla: https://bit.ly/BataAntes
Classificação: 14 Anos. Duração: 80 Minutos
Capacidade: 60 Lugares
www.teatroaliancafrancesa.com.br