TeE entrevista: andré garolli e fabrício pietro

Nossa entrevista de hoje foi com o diretor André Garolli e o ator Fabrício Pietro do projeto SEDE, que será transmitido amanhã (21/08) no Facebook do Teatro Popular João Caetano! A entrevista você confere a seguir:

Fonte: Release SEDE

TeE: Ano passado, vocês fizeram temporadas da peça Inferno – Um interlúdio expressionista. Antes de começar a quarentena e a pandemia, vocês estavam encaminhando outro projeto com a Cia. Triptal?

ANDRÉ GAROLLI: A gente tinha acabado o projeto Inferno, que tinha sido contemplado pelo fomento de São Paulo e ficamos em cartaz 14 meses. Fizemos vários processos e oficinas, começamos com 200 pessoas e terminamos com 40 ensaiando e apresentando. Convidei o Fabrício, que esteve com a gente desde o começo do processo e teve um trabalho de destaque, a Camila dos Anjos e o Fernando Vieira pra serem os atores principais. Depois do fomento, arriscamos segurar a peça por conta. A prefeitura nos convidou para apresentar no Teatro Alfredo Mesquita, mas aí começou a quarentena e o fechamento do teatro.

Atualmente, temos nos encontrados online às quartas-feiras, fazendo leituras de textos da ultima fase de Tennesse Williams, e também às sextas-feiras lemos textos de autores nacionais com convidados. Por sinal, quem quiser participar desse grupo de leituras, só mandar um e-mail para andregarolli@gmail.com, com assunto “grupo de leitura nacional”, e nós enviamos o link e o texto que leremos.

TeE: Sobre o projeto cênico online SEDE: é o primeiro experimento que vocês fazem nesse formato?

FABRÍCIO PIETRO: É o primeiro, e está sendo um desafio porque dependemos dos deuses do Wifi e do 4G. A gente tem o desejo de entregar uma coisa muito legal, porque o texto é muito bonito, cheio de símbolos e metáforas, fala sobre a condição humana e com as suas relações. E com a pandemia, o assunto do isolamento fica muito mais presente.

As personagens do texto estão confinadas em um bote salva-vidas, então eles tem uma limitação espacial e de contato. A gente tem esse desejo de trazer isso para o público, mas é uma plataforma super limitadora. A gente perde muito da potência do teatro de criar símbolos que remetem a um todo.

Mas ainda assim, é possível fazer muito com essa ferramenta. Como Marat fez na peça “Peça” (disponibilizada no youtube), dá pra pegar o celular e sair dirigindo enquanto fala o texto. Mas no fim das contas, a gente gosta tanto do texto que pensamos: se o Wifi nos ajudar e a gente conseguir ao menos dizê-lo na íntegra, já é um grande ganho. Por conta da potência que esse texto tem nas palavras, Eugene O’Neil é um dos grandes porque consegue trazer muita vida na palavra.

TeE: Porque decidiram fazer justamente esse texto agora, nesse momento de isolamento social?

ANDRÉ: Na verdade, meu primeiro projeto desses foi uma trilogia: homens ao mar, homens à margem e homens à deriva, cada um discutindo um tema. Montamos ‘Macaco Peludo’ e alguns textos do Plínio Marcos. Trouxemos também o Mario Bortolotto. Aí fizemos Homens ao Mar, onde o mar é a metáfora da vida, que mesmo que você tenha um remo e um barco, não consegue controlar o mar que pode estar em plena calmaria ou em uma tempestade gigante.

Então temos 4 peças desse período e outras peças curtas, uma delas sendo o SEDE. Eu já venho namorando esse ciclo há muito tempo nesses 30 anos. Agora estamos retomando algo muito importante, e quiçá adentrar nas outras obras o quanto antes.

O SEDE justamente por ser a questão do isolamento através de um barco que está à deriva, com 3 personagens que representam o micro-cosmo da sociedade em paralelo com o macro-cosmo.

TeE: No texto original, 3 personagens com personalidades e papéis sociais bem distintos estão juntas em um bote salva-vidas sem comida ou água. Como vocês fizeram a adaptação para o formato online?

FABRÍCIO: O lado bom desse novo formato é que ele propõe milhões de soluções, de efeitos, filtros, formas… Mas a gente não quis perder a essência do texto, não quis transformar ele em outra coisa. Na construção e no descobrimento dessa plataforma, a gente começou “pirando”, experimentando idéias, e o Garolli foi dizendo o que ficava ou não, trabalhando para manter a essência. Não estamos apenas indo para a linguagem de vídeo.

ANDRÉ: É obvio que chega um momento que a gente quer inventar e resolver a dramaturgia. Mas não queremos desconstruir o texto pra usar essa linguagem da internet, que pode acabar virando televisão e cinema feito de uma forma ‘tosca’, porque esses fazem uso do audiovisual muito melhor. O que eu realmente quero é que os atores e quem os assiste sejam afetados pela palavra, mesmo não vendo um cenário super elaborado, mas sim com foco escutando e absorvendo o texto como ele é.

TeE: Esses personagens fazem um paralelo com as classes sociais brasileiras nesse momento de pandemia? Vocês enxergam essas personas quando olham pro atual cenário sociopolítico do Brasil?

ANDRÉ: Dialogam muito com os dias de hoje. Temos classes socais muito definidas: a classe elitizada, representação da oligarquia industrial e o agronegócio do personagem do Fabrício; uma dançarina que representa a classe artística boemia e a burguesia; e um marinheiro negro, representando os operários. A principio uma sociedade que tenta estabelecer uma comunicação empática, mas quando a situação começa a piorar, eles começam uma guerra interna, uma guerra de sobrevivência. Há uma revolta com a classe operária.

FABRÍCIO: A gente consegue comparar essas personagens não com pessoas específicas da vida real. Os seres humanos são muito complexos, e os personagens são maiores do que só uma pessoa, pois representam uma parcela da sociedade, um cruzamento de comportamentos. Há uma pirâmide social que as personagens ficam tentando escalar, mesmo quando tudo sucumbe, e que foi o que aconteceu com a gente. No momento em que é preciso se conectar ao essencial do ser humano, abandonar a questão das classes sociais e se ajudar, as pessoas não conseguem e entram em conflito. As pessoas querem manter o seu privilégio, manter essa sensação de super-herói invencível que vem porque pagam imposto e seguro de vida.

Ir no restaurante de vez em quando, viajar pra Bahia e ir pra praia de máscara por exemplo, essas negociações de privilégios também acontece muito no texto.

TeE: Um tema muito presente no texto é a espera. A espera de que algo aconteça, de que algo ou alguém venha salvá-los, o que coloca em cheque a humanidade dessas personas. Vocês acham que nós enquanto sociedade, também estamos tendo nossa humanidade posta em cheque nesse momento?
Qual seria essa dose precisa de humanidade para a nossa humanidade não colapsar ?

ANDRÉ: Essa pergunta não é mais pra minha geração, é pra sua John e Gabi (risos).

Eu estava lendo o Pondé, e fazendo um paralelo com filosófos como Schopenhauer e Niezstche, que colocam e tentam entender a condição do ser humano doente. Quando a gente começa a tentar resolver essas questões, surgem outras questões da modernidade, como a quantidade exacerbada de informações e a tecnologia. Cada vez mais a gente está se confundindo, entrando em um redemoinho de terminologias e termos politicamente corretos que nós mesmos não conseguimos resolver.

Essa dose de humanidade nós mesmos não vamos saber encontrar. Imagina, no texto tem essa mulher no barco com um colar de pérolas, e o personagem do Fabrício carrega um cardápio que foi uma homenagem de empresários. Onde está a dose de humanidade nesse apego? Quer dizer, se agarram na ideia da esperança, é isso que mata o ser humano.

Pegando o gancho de Schopenhauer, se nós não tivéssemos esperança, o aqui e o agora teria que ser resolvido de forma muito mais prática. Então a questão maior é a da esperança, porque é isso que nos tira essa ideia do presente. A gente tem a esperança de que o próximo político vai fazer alguma coisa, de que vai vir alguém resolver alguma coisa e não faz nada. A raiz da palavra é ‘esperar’, então impede que a gente aja.

FABRÍCIO: E filosoficamente, a questão de esperar nos mantém em um mundo que não existe. Porque se espera algo que pode nem vir a existir, é uma ilusão, uma projeção sobre isso. Então a humanidade da esperança se fixa no mundo da ilusão e não enxerga o que está acontecendo no momento, e na peça isso fica muito explícito. O único que começa a se questionar, vai na verdade perdendo a esperança.

SERVIÇO:

‘SEDE’ DE EUGENE O’NEIL
DIREÇÃO: André Garolli
ELENCO: Fabrício Pietro, Camila dos Anjos e Wes Machado
ONDE: Perfil do Teatro Popular João Caetano no Facebook
@teatropopularjoaocaetano
APRESENTAÇÃO: 21 de agosto às 21h
DURAÇÃO: 50 minutos
Classificação 16 anos
Gratuita

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